A música que eu cito no texto só direi no final da publicação (que diferença faz? é só abaixar até lá haha).
Sonho (Ricardo Braga)
"Daí a
função de uma arte aberta como metáfora epistemológica: num mundo em que a
descontinuidade dos fenômenos pôs em crise a possibilidade de uma imagem
unitária e definitiva, esta sugere um modo de ver aquilo que se vive, e
vendo-o, aceitá-lo, integrá-lo em nossa sensibilidade". ECO, Umberto.
Obra Aberta.
A cor acre e suja que toma conta da visão se torna
em pouco tempo a nossa única palheta de cores. Todo entendimento se dá em cima
dessa sutil violência, da secura que cobre o corpo e do rachar contínuo dos
lábios, da poeira que sufoca a fala e apedreja as lágrimas. O barulho dos ratos
é ensurdecedor, irritante, e em alguma medida natural, quase como o vento que
corre do lado de fora da pequena janela acima dos meus sonhos.
O som do orvalho é a sua única manifestação à qual
tenho acesso, não me chega nem a sua umidade nem a sua transparência. A
violência é a única estética possível, vista nos sangues secos espalhados pelos
corredores, no cheiro de urina, no vapor das carnes prestes a morrer, e,
principalmente, no som grotesco da solidão. Os gritos são uma sinfonia de belas
notas desarrumadas, desafinadas, horrorizadas. O sol se apaga somente às 22
horas, e se levantará quando for ordenado. Felicidade é entorpecimento, ou
serão as pílulas o esquecimento? Meu andar fraqueja cada vez que me sento, e já
quase não me levanto... Meus braços se perderam em meio aos quadris. O calor é
insuportável, mas mantém a circulação.
Em algum canto disforme escuto:
'Sleep, my friend, and you will see,
That dream is my reality'.
E talvez o que vejo não seja sonho, ou talvez o que
sonhe não seja desejo. Mas o que sinto é real. A minha própria violência, o meu
próprio ódio exalado no cheiro anêmico das minhas roupas, na contenção dos meus
instintos, na repulsa do meu próprio sexo. O estranho esquecimento do meu
próprio corpo.
Tento, mas não sei se consigo, enlaçar meus dedos
nas minhas costas e me envolver num maternal surgimento de mim em mim mesmo.
Mas não sei se consigo pois não sinto meus dedos, ou se os sinto não os
reconheço, são distantes demais, são qualquer outra coisa que já não sou mais.
Acho que não importa mais, pois já não me chamam
por meu nome ou pelo o que fui. Apenas Sonho.
-----------------x-------------------
A música é Welcome Home (Sanitarium), do Metallica. Ouçam, vale a pena.
Particularmente acho a relação da citação inicial com o resto do texto incrivelmente irônica e até cínica haha.