sexta-feira, 30 de maio de 2014

Caminhando ouço o que não poderia...

Caminhando ouço o que não poderia
escutar parado ou falando.
apenas ouço as flores crescendo e
as nuvens dançando.
Entendi que o mar não afasta a areia
ou os barcos ou os corpos,
mas com eles dança e namora.

não há nada que não brinque de amor.

É um amor que é mais amar.
Que é mais verbo do que substantivo
(são as raízes que se tocam,
mais do que as copas).
Amor-amar pelo que vejo,
ouço e saboreio; pelos perfumes,
por aquilo que toco e que me toca.
Pelo sexo e pelo sol
que não permite minha carne extasiada esfriar ou arrefecer.
Amar pelo mar e pelos rios e pedras erodidas
pelo erotismo pela saudade pelas mãos juntas
e por tudo aquilo que se move e muda.
Tudo que brinca de amor e vive.

quinta-feira, 15 de maio de 2014

Moendo carvalhos

Moendo carvalhos

É da voz de um morto que se conta a vida.
Zumbi espalmado, que mesmo decapitado vive.
O choque que reverbera pelos sexos
e queima o fruto,
mata também pela sede e pelo horror.

Quanto de voz ainda há no carvalho moído?

Perfurações que deixam marca, seiva
escorrendo vermelha.
Convertendo a voz em morto pela palavra da salvação:
Segurança e genocídio nacionais.

Em cada braço do Carvalho escrito:
o Estado mata.

E tantas outras árvores
com suas raízes e seus frutos
calados, encarcerados,
esfomeados e torturados.

Quem mata mal sabe,
mas carvalhos cantam e dançam.
E escutamos. E dançamos.
E lutamos.

segunda-feira, 10 de março de 2014

Das pernas, das mãos, das colchas e da fome.

Das pernas, das mãos, das colchas e da fome.

Prefiro esta beleza que vem das pernas,
que te faz caminhar, mesmo que sem elas.
Gosto desta beleza que vem das tuas mãos,
explorando o mundo e o meu corpo.
Quero o envolver dos cheiros
guardados na pele e nas colchas:
saciar a fome que vem do peito
(mas que resiste
enquanto a primavera
entorna e floresce sobre nós).

sexta-feira, 7 de março de 2014

Como era gostoso o meu baço

    São 13:40, estou terminando de almoçar: a última garfada de um delicioso baço carioca, bem preparado, talvez apenas com gordura e agrotóxico demais. Enquanto mastigo olho para uns pés, meus pés muito provavelmente, mas não posso ter certeza, apesar de não me lembrar de ninguém me visitando hoje à tarde. O prato se move sozinho para a pia, em algum momento será lavado. Apesar de não me sentir completamente satisfeito, apesar de um pouco incomodado pela surpresa de um sabor tão inusitadamente bom, fico olhando para a cozinha, bagunçada e imunda. Não havia braço o suficiente para limpar e cozinhar ao mesmo tempo. Na verdade não houve braço algum.
    Mais ou menos uma hora antes eu me dirigi à cozinha para preparar qualquer coisa rápida. Passeando com o olhar desolado pela despensa vazia encontro, com a glória única dos que tem a preguiça e a necessidade de preparar o próprio almoço, um pacote de macarrão ninho pela metade. Satisfeito pego uma panela e ponho a água para esquentar. Talvez tenha uns hambúrgueres no congelador, eu penso. Sorrio e xingo sem pudores pela felicidade indescritível.

sábado, 8 de fevereiro de 2014

Sobre as propagandas que passam durante a programação de 01:30 hrs no canal 72

Sobre as propagandas que passam durante a programação de 01:30 hrs no canal 72.

Refletindo sobre as
propagandas (quem veio primeiro:
o desejo ou o crédito fácil?)
me pego pensando em outro assunto:
não poderia participar de uma orgia.
Sacanagem assim só se fosse em casa,
até às 20 horas, porque depois disso
me agrada ler um livro ou ver um filme.

Que não se engane quem achar
que nada disso tem a ver com a televisão.
Amor ou é fiado ou a prazo.

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Foram trezentas as cores que contei no meu armário.

Foram trezentas as cores que contei no meu armário.
Azul-manchado.
Rosa-desbotado.
Aquela-macha-da-primeira-vez-que-usei-água-sanitária.
Outras tantas,
perdidas entre meias,
entre saias e roupas de baixo.

Na janela só sobraram minhas cuecas,
estendidas, secando,
e o olhar daquela vizinha
insuportável que vivia a nos olhar,
das 18 às 20, das 23 à 01.
Exceto aos domingos que era o dia do seu culto.

Nos horizontes que cirzo
não vejo gaivotas,
apenas aviões que turvam as nuvens
(nunca moramos perto da praia).
18:50 e a velha fuma um cigarro vermelho.
Só me lembro da nossa separação de bens:
você levou os cigarros, eu as cervejas.

Liguei para a minha mãe.
Ela me mandou plantar uma estrela no céu,
que só florescerá em constelação
quando dela me esquecer.
Tentei, mas o Cristo
em decomposição
de nossa vizinha
continua a me olhar.

Maldiz as minhas mãos
esta velha rouca e muda,
impedindo-me de tocar no mundo,
de mudar de assunto.
Da janela ela viu apenas brigas.
Como dizer que houvera amor
no quarto, no banheiro,
debaixo do parapeito,
na dedicatória dos cinco primeiros livros da minha estante?

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Cardíaco

De que é feito esse punhadinho?
Amor, coentro, salsa e eu.
Pois não é que eu tento
e tento um pouco mais
encher de punhados iguais a este
um saco que já está cheio?

Não. Não.
Não me fale mais nada;
eu sou cardíaco.
Melhor é me deixar agonizando.