terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Foram trezentas as cores que contei no meu armário.

Foram trezentas as cores que contei no meu armário.
Azul-manchado.
Rosa-desbotado.
Aquela-macha-da-primeira-vez-que-usei-água-sanitária.
Outras tantas,
perdidas entre meias,
entre saias e roupas de baixo.

Na janela só sobraram minhas cuecas,
estendidas, secando,
e o olhar daquela vizinha
insuportável que vivia a nos olhar,
das 18 às 20, das 23 à 01.
Exceto aos domingos que era o dia do seu culto.

Nos horizontes que cirzo
não vejo gaivotas,
apenas aviões que turvam as nuvens
(nunca moramos perto da praia).
18:50 e a velha fuma um cigarro vermelho.
Só me lembro da nossa separação de bens:
você levou os cigarros, eu as cervejas.

Liguei para a minha mãe.
Ela me mandou plantar uma estrela no céu,
que só florescerá em constelação
quando dela me esquecer.
Tentei, mas o Cristo
em decomposição
de nossa vizinha
continua a me olhar.

Maldiz as minhas mãos
esta velha rouca e muda,
impedindo-me de tocar no mundo,
de mudar de assunto.
Da janela ela viu apenas brigas.
Como dizer que houvera amor
no quarto, no banheiro,
debaixo do parapeito,
na dedicatória dos cinco primeiros livros da minha estante?

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